O nome Kamikaze é traduzido para “Furacão divino”, por conta de uma lenda japonesa, quando, em 1281, uma esquadra chinesa saiu de um porto da costa oriental do país de Confúcio, com a incumbência de promover a invasão do território japonês. A meio caminho, um furacão destruiu a referida esquadra.
Os japoneses, sempre inclinados a ver deuses e manifestações divinas diretas, a seu favor, nos casos de boa sorte, passaram a adorar o “furacão divino” como se ele fosse um Deus da sua mitologia religiosa.
Alguns anos antes do começo da conflagração atual, a casta militar japonesa fundou, em Okinawa – (a ilha que os norte-americanos há pouco tempo invadiram e da qual já se assenhorearam quase que completamente) – o “Clube Kamikaze”, ou, em outras palavras, uma organização de elementos suicidas, destinados a agir em operações de guerra.
O clube tem jurisdição nacional, isto é, exerce a sua influência em todo o território japonês. Mas conservava, até poucas semanas atrás, o seu campo de treinamento em Okinawa. Os membros do clube são, de preferência, moços, de comprovada fidelidade para com a pátria e o imperador. Os suicidas são treinados em vários ramos de atividade. O treinamento é rigoroso, porque cada suicida só realiza a sua tarefa uma única vez na vida. Se não realizar bem essa tarefa, não terá oportunidade de renovar a experiência, visto que o fim da sua primeira tarefa é também o termo de sua vida.
Depois que teve início a guerra entre o Japão e os Estados Unidos, os Kamikaze passaram a ser treinados, principalmente, em atividades aviatórias. A incumbência de cada Kamikaze aviador é a seguinte: – pilotar um avião especial, de proporções relativamente pequenas, carregado de explosivo – atravessar, se possível, a cortina de fogo antiaéreo dos norte-americanos – e lançar a sua máquina volante contra qualquer objetivo militarmente útil, que pode ser, e que é, em regra, um navio.
A teoria é a de que a carga de explosivo, contida no pequeno aeroplano, basta para pôr a pique o navio atingido. A bomba japonesa usada pelos Kamikaze tem o nome de “baka”, e seu peso é de cerca de uma tonelada. Na explosão, diz a teoria que tudo deve desaparecer – o navio inimigo, o avião e o seu piloto “Kamikaze.
Na prática, porém, não é sempre que isso acontece. Os navios de guerra modernos, feitos nos Estados Unidos, para a frota do Pacífico, já possuem couraças especiais, que resistem ao choque do avião Kamikaze – que suportam mais ou menos galhardamente a explosão da carga japonesa – e que fazem o barco continuar navegando enquanto o piloto Kamikaze morre e o seu avião se estilhaça.
A família de cada piloto Kamikaze que morre recebe um diploma – sendo que este diploma é considerado, nos círculos fanáticos japoneses, principalmente os das classes populares, como autêntico título de glória.
Os Kamikaze compreendem outras atividades, além das aviatórias. Possuem um quadro de nadadores. Estes nadadores saltam ao mar, à noite, de barcos a remo, nas proximidades de um navio de guerra norte-americano. E, levando petardos seguros pelos dentes, nadam para o navio de guerra, com o propósito de explodir os petardos, se possível, junto à sua quilha, muitos metros abaixo do nível das águas.
Está claro, para qualquer criatura civilizada ocidental – embora não seja igualmente claro, aos olhos dos japoneses – que um petardo, por mais poderoso que seja, mal chega a arranhar a quilha de aço de navios de guerra modernos. Mas os nadadores Kamikaze insistem na tentativa de afundar belonaves por esse processo quase inócuo.
Os Kamikaze possuem, agora, também esquadrilhas suicidas, que consistem em grupos de navios, tripulados por membros do clube. Tais navios, quando saem para alguma tarefa, estão destinados a não voltar mais à sua base – seja qual for o desfecho final do empreendimento.
Os observadores norte-americanos, especialmente destacados para examinar a maneira pela qual os aviadores suicidas japoneses se desempenham da sua incumbência, verificaram que tais aviadores se lançam, de fato, contra navios inimigos. Entretanto, na medida em que eles se aproximam do alvo, se tornam cada vez menos conscientes, até que, nos últimos instantes, suas máquinas de vôo não parecem mais governadas por uma inteligência lúcida.
Acredita-se que o fato de o Kamikaze sair de sua base, com o dever “sagrado” de não regressar a ela, lhe modifica a psicologia. Quando o Kamikaze parte, ele já é considerado, por todos os japoneses, inclusive por ele mesmo, um homem morto – um homem cuja alma já foi entregue aos deuses do outro mundo. Afigura-se que esta circunstância exerce alguma influência no sentido de lhe empanar a lucidez do raciocínio. Na hora da iminência do choque final, a lucidez de raciocínio desaparece de todo, dando, então, o resultado de o avião suicida não ser devidamente orientado para o objetivo, exatamente no instante em que a orientação mais necessária se torna.
A última novidade, no capítulo dos Kamikaze, é a que a frota japonesa, destruída pelos norte-americanos, no mês passado, em Okinawa e que incluía o supercouraçado “Yamato”, de 45.000 toneladas, era uma frota suicida, que saíra de sua base para não mais voltar a ela. Em face da destruição que coroou o empreendimento dessa frota, não há dúvida que o que as Nações Unidas mais desejam é que a técnica suicida japonesa prossiga. Os homens e as máquinas que não regressam à sua base são homens e máquinas contra as quais nunca mais as democracias terão de lutar.