Czeslaw Weska: O Polonês Sobrevivente do Dia D que Vive no Rio Grande do Sul

Madrugada de 6 de junho de 1944. Costa da Normandia. Em uma barcaça repleta de soldados, tanques e veículos um jovem polonês aguarda ordens junto a sua motocicleta Harley Davidson 750cc. Ele não sabe onde está e, embora tenha a certeza de quem é o inimigo, não tem a menor ideia de quantos deles terá de enfrentar, muito menos qual é a sua missão ou seu destino.

Não sabe nada, nem que está a poucos quilômetros das praias francesas que entrariam para a história com os nomes secretos de Omaha ou Utah, apenas espera. Czeslaw Weska, 21 anos, da 72ª Unidade de Transportes Leves do exército britânico, nem imagina estar prestes a ser um dos protagonistas da maior batalha ocidental da Segunda Guerra cujo codinome, Operação Overlord, marcaria o começo do fim do Reich nazista que deveria durar mil anos – o desembarque da Normandia, o Dia D.

Czeslaw Weska sobreviveu ao Dia D, participou da ofensiva aliada que liquidou a Alemanha de Hitler continente a dentro e comemorou o Dia da Vitória, em 8 de maio do ano seguinte na Europa. Missão cumprida, voltou para casa – em Rio Grande, no extremo sul do Brasil. Weska tem hoje 81 anos, continua a morar na mesma cidade, mas jamais esqueceu do drama e da glória daquele dia especial.

“Em tempo de guerra tudo é segredo militar, não te dizem nada. Eu só sabia que estava a caminho de terras inimigas e que alguma coisa séria estava por acontecer, mas não tinha noção da dimensão daquele dia”, recorda. O rapazinho que vivia no Brasil desde 1936, ano em que veio da Polônia com a família e radicou-se no Rio Grande, tinha decidido ser voluntário 20 meses antes do Dia D. Apesar de a Polônia estar, na época, sob domínio alemão e ser terrivelmente castigada pelos nazistas durante a Segunda Guerra, Weska confessa que o motivo que pesou mais foi a curiosidade juvenil. “Meu pai tinha participado da Primeira Guerra, então eu tinha ouvido muitas histórias de combates. Depois, quando se é jovem, a gente pensa que é imbatível, que pode tudo”, comenta.

Sorridente, o aposentado diz não ser assombrado pelo fantasma da guerra. Talvez porque tenha decidido deixar o passado definitivamente para trás e dedicado sua vida a outras profissões – nos 68 anos em que vive no Brasil já foi mecânico, caminhoneiro e comerciante. Talvez porque na função de mensageiro de guerra jamais precisou usar o Thompson Colt 45 que portava para se defender e, por isso, não matou ninguém.

Perigo constante

Apesar de não ter causado baixa no inimigo, o soldado que levava em moto, mensagens codificadas seguindo instruções de mapas também codificados, arriscou a vida centenas de vezes. Não podia conduzir devagar porque poderia ser capturado ou levar disparos, tampouco desviar a estrada porque os acostamentos estavam minados. Em alta velocidade, poderia ser degolado por fios afiados e quase invisíveis que os alemães colocavam nos caminhos – dezenas morreram assim. Cada missão, portanto, significava perigo de vida. “Nesta época nunca fazia planos a médio prazo, só para o dia seguinte.” Pensava: “Se eu chegar até amanhã…”

Pedaços de corpos

Weska não foi autor, mas presenciou centenas de mortes. Ainda prefere não assistir a filmes de guerra. O veterano recorda um dos momentos mais marcantes, quando uma bomba atingiu um campo onde soldados de sua divisão jogavam futebol. “Ajudei a juntar os pedaços de corpos, sem saber de quem eram. Foi um horror”, lamenta.

Condecoração

Modesto, Weska não costuma se gabar pelo passado heroico. Vários vizinhos que o conheciam há anos ficaram surpresos ao saber de sua condecoração por participar da Segunda Guerra Mundial como combatente da Real Força Aérea Britânica, em novembro do ano passado ele recebeu duas estrelas e uma medalha das mãos do adido da Defesa do Reino Unido, Ralph Ashemhurst, numa cerimônia em sua homenagem.

Fanatismo

O polonês naturalizado brasileiro não se arrepende de nada do que fez. Se o tempo voltasse atrás, provavelmente repetiria tudo. Mesmo que se declare um inimigo mortal dos conflitos armados: “O povo não faz a guerra, ele obedece a fanáticos. Se o povo se erguesse e dissesse não, não haveria guerra.”

O que vale mais

Na escala de valores de Czeslaw Weska, a família vem primeiro. As lágrimas que ele não chorou pela guerra, umedecem hoje seus olhos ao falar de Maria Helena, a esposa que o acompanha há 56 anos, dos três filhos – um deles, Carlos, é pró-reitor da Furg – e dos oito netos. “Eles são tudo para mim”, emociona-se.

Sessenta (sic) anos depois o pracinha da Operação Overlord é um homem de saúde de ferro, não perdeu a paixão pelos motores, manobra com desenvoltura a sua Honda Twister 250 cilindradas pelas ruas de Rio Grande e alimenta um sonho: ser finalmente o legítimo proprietário de uma genuína Harley Davidson.

— Joice Lima (Jornal Diário Popular – Pelotas/RS)

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