De William H. Lawrence, fev/1945 (New York Times)
Acabo precisamente de ver o lugar mais terrível do mundo – o campo de extermínio alemão em Majdanek (ou Maidanek), na Polônia, que foi, em verdade, uma fábrica para a produção de morte.
As autoridades soviéticas e polonesas calculam em 1 milhão e 500 mil o número de pessoas, de quase todos os países da Europa, que os nazistas ali mataram nestes últimos três anos.
Há que ver para acreditar! Já estive presente a numerosas investigações acerca de atrocidades cometidas pelos alemães; nunca, porém, vi tão clara a evidência dos seus crimes. Depois da inspeção de Majdanek, estou propenso a dar como verídico tudo o que me contem em matéria de barbaridades germânicas, por mais selvagens, cruéis e depravadas que sejam.
Percorri todo o campo; examinei as câmaras de gás, fechadas hermeticamente, em que muitas das vítimas morreram asfixiadas, e os fornos em que os seus restos foram cremados; vi grande número de esqueletos, e mais de 20 cadáveres que os alemães não tiveram tempo de queimar, antes da chegada do Exército Vermelho às imediações de Lublin; vi muita cinza de ossos, amontoada nas proximidades dos fornos, afim de ser levada para os campos, e aí espalhada como adubo para as plantações de couve. Em Krempitski, a uns quinze quilômetros a leste, vi reabrirem-se túmulos onde se haviam feito sepultamentos em massa, e contei 368 corpos, decompostos parcialmente, de homens, mulheres, e crianças, executadas em Majdanek por vários meios e modos, cada qual mais desumano. Só naquela floresta, ao que estimam as autoridades, o número de sepultados é maior de 300 mil.
Fazendo parte de um grupo de correspondentes estrangeiros que foi à Polônia a convite do Comitê Polonês de Libertação Nacional, sentei-me com a comissão Russo-Polonesa de Investigação de Atrocidades, e interroguei testemunhas, entre as quais três oficiais alemães que serviram no campo. Estes homens admitiram francamente que Majdanek era um posto para eliminação altamente sistematizada – embora negassem, como era de esperar, qualquer participação pessoal nos homicídios, o que os não livrará, provavelmente, do devido processo pela parte que tiveram no monstruoso episódio.
Segundo o depoimento das testemunhas, a produção de morte culminou no dia 3 de novembro de 1943, quando o número de execuções subiu a 18 e 20 mil, a tiro, gás, forca, e por outros meios.
Quem se aproxima de Majdanek tem a mesma impressão, mais ou menos, que os filmes americanos nos transmitem, quando figuram na tela um campo de concentração. O que primeiro se vê, é uma dupla cerca de arame farpado, de 3 a 4 metros de altura, que estava carregada de eletricidade. Dentro, um após outro, grupos de edifícios verdes, de aspecto austero – mais de 200 construções, ao todo. Do lado de fora da cerca, 14 altas torres de metralhadoras, e, a uma extremidade, canis, com capacidade para acolher uns 200 cães bravos, especialmente treinados para perseguir prisioneiros que tentassem fugir.
Perto da entrada, encontra-se a casa de banho, onde os presos, que tinham de ser mortos mediante inalação de gases venenosos, tiravam as roupas, e tomavam um banho de chuveiro. Era costume, em tais casos, aplicar um banho às vítimas, antes da execução, porque a água quente abria os poros, e assim se tornava mais rápido o efeito dos gases. Alguns passavam dali à sala imediata, hermeticamente fechada, e de onde saiam para a cremação. Através de aberturas no telhado, os alemães despejavam latas abertas de um gás venenoso (Zyklon B) à base de ácido prússico, que mata rapidamente.
Vizinhas à casa de banho, há mais duas câmaras de morte, apropriadas para este gás, ou óxido de carbono. Uma delas mede, em área, 17 metros quadrados, e lá, ao que nos disseram, 100 a 110 pessoas eram executadas de uma vez. Ao redor do piso das salas, estende-se um tubo de aço, com aberturas a intervalos de 25 centímetros, para dar escapamento ao óxido de carbono. Nestas câmaras de morte, há também espaços abertos, com cobertura de vidro, pelos quais os alemães podiam observar o efeito do gás nas vítimas, e determinar o momento de remover os cadáveres.
A cerca de quilômetro e meio das câmaras de gás, vê-se um enorme crematório de tijolo. Dir-se-ia um pequeno alto-forno para uma usina de aço. O combustível (carvão) era atiçado por um fole, de funcionamento elétrico. Havia de cada lado cinco aberturas; por um lado entravam os corpos, e por outro saiam as cinzas, e acendia-se o fogo. A bateria de fornos tinha uma capacidade, só que se calcula, para cremar 1.900 cadáveres por dia.
Não longe dos fornos, havia uma grande quantidade de urnas de barro que, segundo disseram testemunhas, eram destinadas a receber as cinzas de algumas das vítimas, que os alemães vendiam às respectivas famílias, por preços que subiam até a soma de 2.500 marcos.
Vimos ainda uma mesa de concreto, onde se depositavam, antes da cremação, os cadáveres, para o fim de tirar o ouro que acaso tivessem nos dentes. Nenhum corpo era aceito no forno, se não trouxesse no peito a marca indicadora de ter passado pelo exame dos dentes.
Estive num imenso armazém, onde se espalhavam pelo chão dezenas de milhares de sapatos, inclusive de crianças, até de um ano, e todos em mau estado. É que os alemães usavam o campo, não só para exterminar as suas vítimas, senão também como um meio de obter vestuário, de modo que, se aqueles sapatos ali ficaram, terá sido talvez pelo fato de os não julgarem, os nazistas, suficientemente bons. Alguns aliás eram evidentemente dos mais caros.
Noutro armazém, em Lublin, vi outras dezenas de milhares de peças de roupa, que haviam pertencido aos mortos. Interroguei um oficial alemão, e ele me declarou que tinha dirigido a expedição, para a Alemanha, durante um período de dois meses, de roupas das vítimas de Majdanek, em proporções que deram para encher 18 vagões.
A identidade dos nazistas, responsáveis pelos crimes aqui mencionados, é perfeitamente conhecida. Os poloneses, com quem conversamos, são todos de opinião que eles devem ser executados no mesmo campo terrível onde cometeram as atrocidades. O vice-presidente Andrey Vitos, do Comitê Polonês de Libertação Nacional, lamenta que certos círculos americanos, favoráveis a uma paz de suavidade com o Reich, não tenham uma oportunidade de examinar mais de perto a brutalidade germânica. O comitê pretende conservar, tal como está, a parte principal de Majdanek, para que perdure pelo tempo, através das gerações, aquela prova incontestável da crueldade alemã.
Depoimentos de sobreviventes
Motke Zaidl e Itzhak Dugin:
“No momento em que se abriu a última vala, reconheci toda a minha família. Mamãe e minhas irmãs. Três irmãs com seus filhos. Elas estavam todas lá. (…) Quanto mais se cavava para o fundo, mais os corpos estavam achatados, era praticamente uma pasta achatada. Quando se tentava segurar o corpo, ele esfarelava completamente, era impossível pegá-lo. Quando nos forçaram a abrir as valas, proibiram-nos de utilizar instrumentos, disseram-nos: bÉ preciso que se habituem a isso; trabalhem com as mãos (…)b Os alemães haviam até acrescentado que era proibido empregar a palavra bmorteb ou a palavra bvítimab, porque aquilo era exatamente como um cepo de madeira, era merda, aquilo não tinha absolutamente nenhuma importância, não era nada.”
Prisioneiro de Treblinka:
“No interior do vagão, ficavam tão apertados que talvez nem sentissem frio. E no verão sufocavam, porque fazia muito, muito calor. Então os prisioneiros tinham muita sede, tentavam sair. (…) E algumas vezes faziam de propósito, muito simplesmente saiam, sentavam-se no chão, e os guardas chegavam e lhes davam um tiro na cabeça. (…) Uma vez os judeus pediram água, um ucraniano que passava proibiu de dar água. Então a prisioneira que pedia água jogou-lhe na cabeça a panela que segurava, então o ucraniano recuou um pouco, dez metros talvez, e começou a atirar no vagão, a esmo. Então aqui ficou cheio de sangue e de miolos.”
Franz Suchomel, SS Unterscharführer:
“Treblinka nessa época funcionava a plena força. Estávamos então começando a esvaziar o gueto de Varsóvia. Em dois dias, chegaram cerca de três trens (…) Chegaram a Treblinka cinco mil judeus, e entre eles havia três mil mortos (…) Eles haviam aberto as veias, ou estavam mortos, assim… Descarregamos semimortos e semiloucos. (…) Nós os amontoamos aqui, aqui e aqui. Era milhares de humanos empilhados uns sobre os outros. Empilhados como madeira. Mas também outros judeus, vivos, esperavam ali há dois dias, pois as pequenas câmaras de gás já não eram suficientes. Funcionavam dia e noite, naquele tempo.
Simon Srebnik:
“Lembro-me de uma vez, eles ainda viviam, os fornos já estavam cheios, e eles ficaram no chão. Todos se moviam, voltavam a si, aqueles vivos… E quando eles os jogaram aqui nos fornos, todos estavam reanimados: foram queimados vivos (…) Quando vi tudo aquilo, aquilo não me tocou. Só tinha treze anos, e tudo o que havia visto até ali eram mortos, cadáveres. Jamais havia visto nada de diferente. (…) Eu pensava: deve ser assim, é normal, é assim. (…) As pessoas tinham fome. Iam e caiam, caiam… O filho tomava o pão do pai, o pai o pão do filho, todos queriam permanecer vivos (…) Pensava também: Se sobreviver, só desejo uma coisa: que me deem cinco pães. Para comer… Nada mais.”
Filip Müller – sobrevivente das cinco liquidações do “comando especial” de Auschwitz:
“O gás, quando começava a agir, propagava-se de baixo para cima. E no pavoroso combate que travava então – pois era um combate – a luz era cortada nas câmaras de gás, ficava escuro, não se via nada, e os mais fortes queriam sempre subir mais alto. Sem dúvida sentiam que quanto mais subissem, menos o ar lhes faltava. (…) E ao mesmo tempo quase todos precipitavam-se para a porta. Era psicológico, a porta estava lá… E é por isso que as crianças e os mais fracos, os velhos, encontravam-se embaixo, e os mais fortes por cima. Nesse combate da morte, o pai já não sabia que seu filho estava lá, debaixo dele.”