* Artigo escrito pelo Coronel Ford G. Daab
A Força Aérea Brasileira nem sempre foi um membro separado do estabelecimento de defesa do país. Assim como a Força Aérea dos Estados Unidos, ela teve início no Exército, e foi a Segunda Guerra que forneceu a impetuosidade para a sua separação e independência.
No final dos anos 30 e no começo dos 40, líderes americanos prestaram atenção a eventos que se desdobravam na Europa então, lembraram-se do Sul, enquanto consideravam as ameaças possíveis à segurança nacional. A defesa do hemisfério foi a palavra-chave do dia, e o Brasil figurou significantemente nos cálculos dessa defesa. Os Estados Unidos precisaram ter cuidado com qualquer país hostil que pudesse atrapalhar as suas defesas, e ter bases seguras para suas forças armadas. Os esforços dos EUA para atingir seus objetivos, junto com algumas provocações dos submarinos alemães, que afundaram covardemente navios mercantis brasileiros, trouxeram o Brasil para a guerra, ao lado dos Aliados. Entre estes eventos entre 1938-1942 que foi criada a Força Aérea Brasileira.
A aviação militar no Brasil começou em janeiro de 1913, quando a Escola Brasileira de Aviação foi fundada. Em 2 de fevereiro de 1914, a escola começou as operações no Campo dos Afonsos, perto do Rio de Janeiro com três biplanadores Farman e cinco monoplanadores Blériot que foram comprados da Itália. Organizados sob o Ministério da Guerra, a escola começou a treinar aviadores para o Exército e a Marinha.
A Marinha Brasileira, aparentemente não muito feliz com esta tentativa de unir operações, estabeleceu a Escola Naval de Aviação em agosto de 1916. Não por mais muito tempo “uma escola do serviço comum,” a Escola Brasileira de Aviação transformou-se na Escola Militar da Aviação, em 11 de julho de 1919. Nas duas décadas seguintes, a aviação militar Brasileira seguiria o caminho do Exército/Marinha.
A aviação militar no Brasil continuou com operações pequenas por muitos anos. Nenhuma unidade de aviação foi formada, e a maioria das atividades aeronáuticas foram por perto de Campo dos Afonsos. Em 13 de janeiro de 1927, o Diretório de Aviação Militar foi formado. O diretor se reportava ao Ministro da Guerra (José Fernandes Leite de Castro) e o Chefe-de-Estado. A Escola Militar de Aviação ficou sob sua autoridade e os oficiais com postos de tenente, capitão e major foram transferidos de outros lugares para o Diretório. É interessante notar que essa reorganização da areonáutica do Exército Brasileiro veio mais ou menos um ano depois do Ato da Corporação Aérea dos Estados Unidos de 1926 e tinha várias similaridades; entretanto, qualquer correlação direta é somente especulação.
Organizadamente falando, a aviação Brasileira permaneceu concentrada na escola de Campo dos Afonsos. Em 21 de maio de 1931, a primeira unidade operacional foi formada, trazendo equipamentos e pessoal da escola de aviação. Designada então o Grupo Misto de Aviação, cujo comandante era o Major Eduardo Gomes.
No começo de 1933, a reorganização e a expansão da aviação militar começou quando o Grupo Misto de Aviação tornou-se o Primeiro Regimento de Aviação. Em 29 de março de 1933, três Zonas de Aviação Militar foram criadas. Os quartéis-generais da Primeira Zona estavam localizadas no Rio de Janeiro e consistia no Primeiro Regimento de Aviação do Rio, o Sexto do Recife e o Sétimo de Belém. A Segunda Zona, com quartéis-generais em São Paulo, continham o Segundo Regimento de Aviação de São Paulo e o Quarto de Belo Horizonte. A Terceira Zona tinha quartéis-generais em Porto Alegre, na parte sul do país, contendo o Terceiro Regimento de Porto Alegre e o Quinto de Curitiba.
Durante a década de 30, as unidades de aviação do Exército Brasileiro concentraram-se em treinar e expandir suas capacidades. Como as contrapartidas do exército dos Estados Unidos, participaram também do serviço de correio aéreo, mas os resultados eram muito diferentes. De fato, carregar mensagens tornou-se a função principal da aviação do Exército Brasileiro, e a missão foi concluída a salvo, eficientemente e efetivamente.
O Brasil é um grande país, maior que o continente dos Estados Unidos. No começo dos anos 30, o transporte virou um problema sério no Brasil. Transportes por trens e por navios eram disponíveis, mas inadequados: as estradas de ferro eram muito poucas e não eram interligadas, e os navios eram lentos e insuficientes para as necessidades do país. O pior era o problema das comunicações com o interior. O major Eduardo Gomes, comandante do Grupo Misto de Aviação, chegou para o Ministro da Guerra em 1931 com uma possível solução: usar aviões militares para ligar as várias partes do país com um sistema de correio aéreo.
O primeiro vôo ocorreu em 12 de junho de 1931, quando um Curtiss “Fledgling” pilotado pelos tenentes Casimiro Montenegro Filho e Nelson Lavenére-Wanderley, carregaram duas cartas de Campo dos Afonsos para São Paulo. Em julho, três vezes por semana, serviços do Rio e de São Paulo foram estabelecidos e o Serviço Militar de Correio Postal Aéreo estava no mercado. Um pouco depois, o nome do sistema foi modificado para Correio Aéreo Militar.
Em 12 de outubro de 1911, uma falha tentativa de abrir esse serviço em Goiás e no interior, quando o tenente Montenegro bateu com seu Curtiss logo após a decolagem, por causa do mau tempo. Entretanto, em 19 de outubro, o tenente Lavenére-Wanderley lançou a segunda tentativa e completou com sucesso a missão. A expansão da organização aviacional dentro das zonas aérea na primavera de 33 proveu a infra-estrutura necessária, e o equipamento começou a ser melhorado em 1934 com a chegada de vários aviões Waco EGC-7. Ainda em 34, a Marinha Brasileira iniciou um serviço de correio aéreo cuja rota eraa do Rio de Janeiro ao sul de Florianópolis. Outras rotas foram estabelecidas pela Marinha e pelo Exército, até que, em 1938, os serviços de entrega de correio estavam funcionando em mais de setenta cidades através do Brasil!
Em janeiro de 1941, com a criação do Ministério Aéreo, os sistemas do Exército e da Marinha se combinaram para criar o Correio Aéreo Nacional – um sistema que existe até hoje – utilizando aviões militares e civis para entregar cartas e fazer serviço de carga para todas as partes do país.
Os aviadores do Exército Brasileiro devem ter ficado orgulhosos das suas realizações, mas – como seus amigos americanos – eles acreditaram que a aviação deveria ser separada e independente dos outros componentes. A campanha para a criação do Ministério da Aviação e a separação da força aérea começou em 1920. Em 20 de novembro de 1928, a edição de domingo do jornal carioca “O Jornal” publicou um artigo do Major Lysias que esboçou a necessidade de um novo e separado Ministério da Aviação. Duas semanas depois, a continuação do artigo do Major expandiu as idéias apresentadas. Estes artigos lançaram o que veio a ser a campanha para independência. O caso para separação do Ministério da Aviação continuou até em 20 de janeiro de 1941, quando foi criado o Ministério de Aviação Brasileira. Depois de seis anos obedecendo à Força Aérea Americana, a FAB incorporou não somente a aviação do Exército, como a Aviação Naval Brasileira.
Certamente que o decreto-lei n° 2961 de 20 de janeiro de 1941 espeficicou que o Ministério da Aviação deveria incluir o Exército Militar Aéreo, a Frota Aérea e o Departamento de Aviação Civil. Inicialmente conhecido como Forças Aéreas Nacionais, a FAB veio por realizar-se em 22 de maio de 1941.
Em outubro de 1938, o Corpo Aéreo produziu um estudo intitulado “Misão do Corpo Aéreo sob a Doutrina Monroe”. Primeiramente designada para mostrar a importância da aviação na defesa, o relatório não mostrou completamente que a ocupação hostil e a potencialidade operacional resultante de alguns consoles do Caribe ou do nordeste do Brasil apresentariam um perigo sério ao canal de Panamá e ao sul dos Estados Unidos.
Logo em janeiro de 1938, o presidente Roosevelt, fez uma requesição para verba adicional para o Exército e a Marinha, incluindo um aviso dizendo que qualquer inimigo em potencial deveria ser mantido “a muitas milhas dos nossos limites continentais”. Subseqüentemente, mais tarde em 38, o Secretário de Estado, Cordell Hull fez uma declaração da “política estrangeira do hemisfério” na Conferência Inter-Americana em Lima, Peru.
Nos Estados Unidos durante 1938, o Comitê de Planejamento estudou o que os EUA poderiam fazer em caso de atentado alemão ou italiano às suas bases seguras na América Latina. Em fevereiro de 1939, o general George C. Marshall, o Assistente Chefe da Equipe, direcionou a Faculdade Da Guerra Do Exército para examinar em segredo qual força seria necessária para deixar o Brasil (e a Venezuela) seguros contra ataques alemães para derrubá-los. Assim, na primavera de 1939, os Estados Unidos não eram os únicos preocupados sobre possíveis intenções hostis, mas estavam dando os primeiros passos em planejamentos e movimentos preventivos.
Em dezembro de 1938, o Exército Alemão mandou um convite para o Chefe Brasileiro visitar Berlim. Dado o excesso de precaução dos Estados Unidos, por causa de possíveis movimentos hostis na área, esta insinuação deve certamente ter sido uma notícia não foi bem-vinda em Washington.
Aparentemente, havia aqueles no Rio de Janeiro que pensaram o mesmo, para que, em janeiro de 1939, em um esforço para prevenir a visita à Berlim, o Ministro de Relações Exteriores, Oswaldo Aranha, propôs que o Chefe de Equipe dos Estados Unidos viesse ao Brasil e reciprocasse sobre o Chefe de Equipe Brasileiro fosse aos EUA.
Quando o general Marshall apontou o novo Chefe de Equipe no fim de abril, ele decidiu que Marshall devesse fazer a viagem. Ele e seu partido saíram de Nova York em 10 de maio de 1939, a bordo do USS Nashville e chegaram no Rio no dia 22. Seu itinerário por vinte dias incluiu visitas, jantares, recepções e iscussões com os Brasileiros. Em 6 de junho, o Nashville partiu para os Estados Unidos com o Chefe de Equipe Brasileiro, o general Gomes Monteiro e seu partido. O general fez uma grande visita aos Estados Unidos, que o impressionou muito, e ele nunca fez a tal visita a Berlim. O processo de trazer os brasileiros “para dentro” começara.
No começo dos anos 40, os EUA fizeram equipamentos militares e assistência para os Brasileiros. Uma missão militar americana foi estabelecida no Brasil, e o material em excesso que a defesa da costa possuía, foi vendido para o Brasil a preços baixíssimos, ainda treinaram pilotos de avião, de carros de combate leves, carros de escolta e vários outros tipos de veículos.
Toda essa generosidade foi designada não somente para unir a potencialidade brasileira, mas também levar o Brasil para um relacionamento confidencial ao lado dos Aliados, para juntos, lutarem contra as forças do Eixo. O que os Estados Unidos realmente precisavam era ter acesso às bases aéreas do nordeste brasileiro, o que os levaria a ter força suficiente para cobrir o Atlântico Sul e banir qualquer alemão ou italiano da área.
As linhas aéreas Pan Americanas estavam operando através da América Latina, e sua subsidiária, a Panair do Brasil, recebeu o direito de construir e melhorar aeroportos no Brasil. Um contrato secreto (W1097-eng-2321) entre a Pan Americana e o Departamento de Guerra forneceu fundos para as construções. O Departamento de Guerra obteu verbas de uma poupança especial do presidente e a transferiu para um banco de importação e exportação depois que os comprovantes da Pan Americana haviam sido emitidos pelo representante do Chefe dos Engenheiros do Exército dos EUA. De retorno, todos os privilégios aproveitados pela Panair foram prolongados aos aviões militares americanos – na verdade, prolongados para a Pan Americana. Os direitos garantidos pelo governo brasileiro à Panair não continha previsões para o uso militar dos aeroportos. Entretanto, em 1941, o general Robert Olds e o brigadeiro Eduardo Gomes (comandante do Grupo Misto de Aviação de Campo dos Afonsos e comandante da Zona Aérea do Nordeste) negociaram um acordo por meio do governo brasileiro que permitia o uso militar dos aroportos, construção de moradas militares que seriam ocupadas pelos técnicos da Força Aérea Americana. Como resultado, aeroportos e fábricas foram melhoradas ou aumentadas no Amapá, Belém São Luís, Fortaleza, Natal, Recife, Maceió, Salvador e Caravelas. Assim, os EUA adquiriram bases aéreas para que pudessem realizar a tentatica de cobrir o Atlântico Sul.
Mais importante, o acesso à regiões estratégicas foi efetivamente negada ao Eixo. Adicionalmente, a linha de aeroportos da bacia do norte de Amazônia ao norte do Rio de Janeiro, forneceu uma ligação vital nas rotas aéreas eventuais sobre o Atlântico Sul distribuída entre os Estados Unidos, a África do Norte e a Europa do sul.
Em 23 de maio de 1941, um acordo político-militar entre os EUA e o Brasil foi assinado, mas tinha uma particularidade: nenhuma permissão específica foi garantida para qualquer instalação em particular. Praticamente todas as negociações e acordos continuaram verbais entre o pessoal da USAAF/USN e o brigadeiro Eduardo Gomes. Finalmente, em junho de 1941, um acordo formal para bases americanas no Brasil foi assinado pelas duas nações.
Em 13 de junho de 1941, o Secretário da Marinha e o Secretário de Guerra enviaram ao presidente um relatório do Comitê de Planejamento do Exército e da Marinha, recomendando que ele imediatamente consentisse que o governo brasileiro deixasse-os mover as forças de segurança do Exército e a Marinha para o nordeste brasileiro. O contingente do Exército consistiria em uma “divisão triangular” e uma força aérea com dois grupos de bombardeamento, um grupo de perseguição, um grupo de transporte, um esquadrão de observação e dois esquadrões de reconhecimento. Esses componentes da força aérea iriam compreender mais de 10.000 soldados e 226 aviões. Em 7 de janeiro de 1942, a Divisão de Aviões de Guerra recomendou ao Chefe da Equipe Aérea que essa força fosse enviada – preparada – e, se não convidada, que apreendesse as instalações de uma vez por todas.
A Marinha Alemã providenciou o ímpeto para impossibilitar um combate direto com os Estados Unidos e um ataque forçado quando comandaram atividades submarinas no Atlântico Sul e atacaram vários navios brasileiros (que impulsionou o Brasil a entrar na guerra). Em 28 de janeiro de 1942, o Brasil quebrou relações diplomáticas com a Alemanha, Itália e Japão. Na metade de 42, navios americanos PBY-5 Catalinas e PV-1 Hudsons operavam em bases brasileiras, enquanto a FAB estava treinando ativamente para participar das missões. Em abril de 1944, a Marinha Americana começou a se retirar e, no fim do ano, os brasileiros assumiram a missão.
Até o fim da guerra, os brasileiros realizaram patrulhas marítimas e operações anti-submarinos, usando bombardeiros B-25, PBYs e Lockheed Hudsons e Venturas.
Na metade da guerra, o Brasil declarou guerra ao Eixo. Em dezembro de 1943, o Exército estabeleceu o Primeiro Grupo de Batalha para acompanhar uma divisão de infantaria brasileira para a Itália. Treinando inicialmente com P-40s na Flórida e no Panamá, o grupo se moveu em junho de 44 para a Base Aérea de Suffolk, em Long Island, Nova York, para fazer a transição para os P-47. Em 10 de setembro de 1944, o Primeiro Grupo de Batalha partiu de Newport, Virginia, no navio francês Colombie e viajou de trem até Livorno, Itália, chegando em 6 de outubro de 1944. Sua primeira missão aconteceu oito dias depois.
A unidade brasileira foi atribuída ao 350° Grupo de Batalha da Força Aérea Americana. Iniciando as operações de combate em 31 de outubro, os brasileiros voaram com esquadrões da Força Aérea Americana em ordem para ganhar experiência em combate. Em 11 de novembro, eles começaram a operar em formações exclusivas dos brasileiros. Empregados como bombardeiros, os P-47 brasileiros forneceram suporte aéreo e voaram em missões de interdição. Quando a guerra acabou, em maio de 1945, o Primeiro Grupo de Batalha havia feito 2.546 vôos e 5.465 horas de combate. O grupo destruiu 1.304 veículos motorizados de vários tipos, 13 motores de estradas de ferro, 250 vagões, 8 carros armados, 25 pontes de estradas e trilhos e 31 depósitos de combustível e munição, derrubaram 2 aviões e danifiaram 9 outros em rota.
As realizações dos combates dos brasileiros não vieram sem perdas. Dos 48 pilotos que voaram com o Primeiro Grupo, 22 foram vitimados: cinco foram mortos com fogo antiaéreo; oito foram derrubados, mas conseguiram escapar do território inimigo; três morreram em acidentes aéreos não relacionados com combates; e seis foram mortos devido à “fadiga do combate”. Esses mortos foram enterrados inicialmente no cemitério brasileiro de Pistoia, Itália. Subseqüentemente, seus restos foram trazidos para o Brasi e enterrados em uma cripta no Monumento aos Mortos da Segunda Guerra Mundial, no Rio de Janeiro.
Dois meses após a guerra terminar, o Primeiro Grupo de Batalha voltou ao Brasil. Assim acabaram as operações da FAB. Nascida das necessidades de fazer a guerra no início dos anos 40, a FAB “ganhou o seu” na Segunda Guerra. Continua hoje como um membro bem-organizado e competente das forças armadas do Brasil.
Fonte: Coronel Ford G. Daab (B.S., Texas A&M; M.A., Universidade Central de Michigan e Universidade do Alabama) é Diretor de Intelligência das Forças do Caribe, Estação Aérea e Naval de Key West, Flórida. Ele foi piloto de um C-130 e serviu na Nona Força, Hq TAC, e Hq USAF.