Os alemães estabilizaram a sua frente na primavera de 1942. Não obstante, as baixas da campanha de 1941, mais as perdas de blindados e de material militar, tornavam impossível a retomada de uma ofensiva em todo o front oriental, obrigando Hitler a ter como ponto de partida uma ofensiva apenas setorial em 1942.
Planos para lançar uma segunda ofensiva contra Moscou foram rejeitados, não apenas porque o Grupo Central do Exército tinha sido demasiadamente enfraquecido para um ataque, mas porque, além disso, tal ataque seria “demasiado óbvio”, contrariando a filosofia da Blitzkrieg, que era atacar onde o inimigo menos esperava, para que ganhos rápidos pudessem ser obtidos antes que uma defesa pudesse ser criada.
Por este motivo novas ofensivas no norte (Leningrado) e sul (Ucrânia) foram consideradas. Os alemães mantiveram-se no controle, não obstante, de dois salientes nas proximidades de Moscou, de maneira a permitir um blefe que tornasse crível a possibilidade de uma ofensiva no fronte central.
Operação Azul
No fim, o Grupo Sul do Exército, que previamente tinha conquistado a Ucrânia e a Criméia – a queda desta península, completada após o cerco e a queda da fortaleza de Sebastopol, evitava a possibilidade de um contra-ataque soviético na retaguarda alemã – foi selecionado para um rápido avanço para a frente através do sul soviético para o Cáucaso, a fim de capturar vitais campos de petróleo Soviéticos, assim como abrir a possibilidade de uma entrada na Turquia na guerra ao lado dos alemães, criar a possibilidade de um futuro movimento de tenazes no Oriente Médio em apoio ao Afrika Korps, e eliminar a Esquadra Soviética do Mar Negro. A ofensiva no Verão teve como codinome “Fall Blau” (“Caso Azul”). Iria incluir o 6º e 7º Exércitos e a 4ª e 7ª divisões Panzer.
Hitler interveio, contudo, no plano estratégico, ordenando ao Grupo do Exército se dividir em dois. Grupo Sul do Exército (A), sob o comando de Erich von Manstein e Ewald von Kleist, iriam continuar a avançar para sul em direção do Cáucaso como planejado. Grupo Sul do Exército (B), incluindo o 6º Exército de Friedrich Paulus e a 4ª divisão de Panzer de Hermann Hoth, deveria se mover para leste em direção ao rio Volga e à cidade de Stalingrado.
A captura de Stalingrado era importante para Hitler por diversas razões. Era uma principal cidade industrial, localizada no rio Volga, que era uma rota de transporte vital entre o Mar Cáspio e o norte da Rússia. Sua captura iria assegurar o flanco esquerdo dos exércitos Alemães enquanto avançavam para o Cáucaso.
Mas – num sinal patente da crescente fraqueza do exército alemão – a possibilidade de Stalingrado poder ser tomada mediante um movimento de tenazes blindadas jamais foi sequer considerado, já que as tais unidades blindadas eram simplesmente inexistentes (!); a tomada da cidade teve de ser tentada mediante combates de infantaria, casa a casa.
O contínuo desgaste das forças alemães determinou que fossem utilizadas, no front, uma quantidade crescente de forças militares de outros membros do Eixo (italianos e romenos) de fraco valor militar e pouco confiáveis. Finalmente, o fato que essa cidade tinha o nome do inimigo de Hitler, Josef Stalin, fez a captura da cidade ser também motivo de propaganda. Tal acabou por fazer com que Stalin – que durante muito tempo persistiu em acreditar na ofensiva alemã em direção a Moscou – acabasse por pensar do mesmo modo.
Entrementes, o exército alemão chegou a tomar, em feroz combate casa a casa, o equivalente a nove décimos de Stalingrado; mas este combate de rua o desgastava, impunha baixas cada vez maiores de homens e equipamentos produzidas por franco-atiradores e armas anti-tanque, e impedia que o seu comando – e acima de tudo, Hitler – conseguisse pensar em outra coisa senão tentar, com persistência insana, em finalmente tomar Stalingrado.
Hitler, fiel aos seus costumeiros projetos megalômanos e ao costume de subestimar o adversário, em nenhum momento pensou em reduzir a velocidade da ofensiva em direção ao Cáucaso, de forma tal que o flanco esquerdo de toda a operação – que se situava precisamente em Stalingrado – pudesse estar garantido. Bem verdade, no entanto, que, como sempre, toda a estratégia hitlerista baseava-se em correr contra o tempo, e uma maior lentidão do ritmo de operações apenas daria tempo aos aliados de organizarem o abastecimento das tropas soviéticas por via da fronteira iraniana, retirando o petróleo do Cáucaso para sempre do acesso alemão.
Resumindo: como já em 1941, o Exército Alemão tinha-se colocado objetivos muito além de sua capacidade. Tal fato deu ao Estado Maior soviético o tempo necessário para concentrar uma enorme reserva – cinquenta divisões – atrás do front e preparar uma operação de contra-ataque: a “Operação Urano”, ou o que tornou-se “A Batalha de Stalingrado”.
A batalha de Stalingrado travada entre 19 agosto de 1942 e 2 de fevereiro de 1943 pelos exércitos alemães que invadiram a URSS em 1941 e as forças soviéticas, foi uma das maiores e mais violentas de todos os tempos, ficou marcada principalmente pela brutalidade e pelo desrespeito por baixas civis em ambos os lados. O número de soldados, tanques, aviões, munições e alimentos que nela se consumiram foi gigantesco. Estima-se que mais de dois milhões de homens e mulheres, de ambos os lados, participaram da refrega cujo resultado final foi a derrota do exército alemão. Consideraram-na o divisor de águas da 2ª Guerra Mundial, pois desde a rendição do general Paulus, o supremo comandante alemão aos soviéticos, acertada em 2 de fevereiro de 1943, a Alemanha nazista, obrigada a recuar do solo russo, perdeu para sempre a iniciativa da guerra. Nesta batalha, o Eixo enviou 500.000 homens incluindo 300.000 alemães, os quais foram TODOS mortos.
As Intenções da Operação
“Stalingrado não era mais uma cidade. Durante o dia nada mais era senão que uma nuvem queimando, uma fumaça gigante; era uma fornalha iluminada pelos reflexos das chamas…os animais, espantados, fugiram daquelas pedras fumegantes, somente os homens ainda suportavam.”
Carta de um tenente alemão, 1942
Urano, a personificação do céu para os gregos, era entendido como a abóbada celeste, o que cobria tudo. Este foi o nome escolhido pela Stavka, o estado-maior geral soviético, dirigido por Stalin, para a missão de deter os nazistas: a Operação Urano, marcada para o segundo semestre de 1942. Seria uma das maiores operações contra-ofensivas da História, visando derrotar os invasores da União Soviética nas beiras do rio Volga. Fazendo jus ao nome escolhido, era uma impressionante manobra na qual todos os elementos da guerra se fariam presentes.
A data marcada para o seu desencadeamento foi o dia 19 de novembro de 1942 (há sessenta anos atrás). Os nazistas, de modo fulminante e arrasador, já estavam há dezesseis meses e meio em terras russas, e, descontando-se o susto que sofreram na frente de Moscou, em dezembro de 1941, ocasião em que o general Zhukov os fez recuar, haviam retomado o élan ofensivo. Com o fronte central estagnado em Moscou, e o do norte marcando passo em frente a Leningrado (onde a população civil russa sitiada morria de fome em massa), o alto comando alemão alterou suas diretivas, numa linha que atingia 6.200 quilômetros de extensão.
Rumo ao Cáucaso e ao Volga
Os objetivos de Hitler – dando seguimento a Operação Barbarossa, a que planejou a invasão da União Soviética -, inclinaram-se, então, para a frente sul, para o baixo Volga e o Cáucaso, atrás de cereais e de petróleo. Intentando seccionar o país dos sovietes em duas partes, ordenou que o poderoso 6º Exército, com uma vanguarda de uns 300 mil homens, liderado pelo general Paulus, se dirigisse para a cidade de Stalingrado. Com um pouco mais de 800 mil habitantes, espalhada na margem ocidental do rio Volga, ela situava-se eqüidistante de Moscou, no norte, e da Chechênia, ao sul. Era um importante centro de comunicações e dona de um respeitável parque de armamentos.
A meta do Führer – além de provocar um profundo abalo na moral dos comunistas conquistando-lhes a cidade que levava o nome do seu líder – era impedir que os imensos recursos de alimentos e do óleo de Grozny e de Baku, subindo o rio Volga, chegassem à parte industrializada e mais densamente habitada da Rússia. Sem pão ou gasolina, pensou, a bravura dela não duraria muito. Em Stalingrado travar-se-ia, pois, uma dupla batalha: ideológica e econômica. Os alemães, vindo de uma parte da Europa densamente habitada, espantaram-se com a solidão e vastidão das estepes. Era um mar plano, sem-fim, onde os girassóis ondulantes rivalizavam com os trigais, entremeados, aqui e acolá, por uma ou outra choupana pobre, habitada pelo mujique russo e os seus.
Stalingrado: A Resistência Aumentava
Sentiam que, ao adentrar naquele vasto e estranho território, a resistência dos soldados soviéticos era cada vez maior. Os Ivans, cercados pelas pinças formadas pelos tanques alemães, relutavam em render-se. Gritando “Za Stalina!” (“Por Stalin”), vendiam caro a pele. Os comandantes alemães, entretanto, não imaginavam o que o destino lhes reservava naquela cidade batizada com o nome de Stalin. No dia 23 de agosto de 1942, as primeiras levas de regimentos da Wehrmacht alcançaram as margens do grande rio da Rússia.
O rio Volga, o famoso Volga, pensavam, seria a derradeira trincheira a ser vencida por eles. Como para preparar os habitantes da cidade para o pior, a Luftwaffe, a força área alemã, no comando do general Barão Wolfram von Richthofen (sobrinho do Barão Vermelho, Manfred von Richthofen, ás da aviação alemã na Primeira Guerra Mundial), fez seus aviões, uma leva de Junkers 88, Heinkel III e os terríveis vôos picados das esquadrilha de Stukas, jogarem mil toneladas de bombas sobre eles. Enquanto isso, assumindo a defesa da cidade, obedecendo ao marechal Yeremenko, o general Chuikov, comandante do 62º exército soviético, um durão com cara de camponês, ordenou aos seus soldados “Todo homem precisa tornar-se uma das pedras da cidade”. E assim foi. A batalha de Stalingrado iria tornar-se tudo o que a infantaria alemã e seus comandantes menos desejavam, uma guerra trava corpo-a-corpo dentro de uma enorme cidade em ruínas.
“Nem um passo atrás”
No dia 12 de setembro de 1942, um dia ainda quente, seis divisões alemãs de infantaria (295ª, 76ª, 71ª, 94ª e 14ª) e uma de panzers (24ª), tentaram tomar Stalingrado no primeiro assalto. Inútil. Apesar de empurrarem os defensores para uma franja de terra à beira do rio, eles não capitularam. Os soviéticos, escavando o solo como se fossem tatus, afirmaram-se nas margens do Volga. Obedecendo a diretiva de Stalin, a Ordem nº 227, que exigia que nenhum passo atrás poderia ser dado pelo soldado russo, eles lutaram com granadas, à tiros e à faca, com o que estivesse à mão, de rua em rua, de casa em casa, nas ruínas, nos esgotos, nos entulhos, nada era dado de graça.
Os alemães, desgostosos, chamaram aquele tipo de luta de Rattenkrige, a guerra de ratos. Uma das poucas elevações da cidade, a colina de Mamaev Kurgan, foi tomada e retomada umas oito vezes. Hitler, porém, já contava com a vitória, mandando as rádios alemãs anunciarem o eminente colapso das forças russas. “Eu desejo toma-la”, disse ele, “vocês sabem, nós somos modestos: nós a teremos. Lá somente existem alguns lugares insignificantes.” O mundo, que acompanhava os lances da batalha pelo rádio, prendia a respiração. As duas ideologias extremistas, o comunismo e o nazismo, travavam ali, sentia-se, uma luta de vida e morte.
A Situação da Cidade
O conhecido escritor soviético Konstantin Simonov (1915-1979) deixou o seguinte relato sobre o cenário de Stalingrado *:
“Todas as casas da cidade queimavam e durante a noite a fumaça delas se espalhava no horizonte. Dia e noite a terra era sacudida por milhares de bombas e pela barragem da artilharia. Os destroços provocados pela explosão das bombas espalhavam-se pelas ruas e o ar achava-se tomado pelo silvo dos projéteis, mas em nenhum momento o bombardeio parava. Os que a cercavam tentavam transformar Stalingrado num inferno na terra. Mas era impossível ficar-se inativo – era preciso lutar, defender a cidade apesar do fogo, da fumaça e o do sangue. Esta era a única maneira que se poderia ficar vivo, era a única maneira que se tinha de viver.”
* Citado por N.T.Morozova e N.D. Monakhova: The Battle for Stalingrad, Moscou, 1979
Stalingrado: O Garrote Soviético
Foi então que o general Zhukov pegou os alemães na armadilha. Num frio polar (uns 20° abaixo de zero), às 7:30 h da manhã do dia 19 de novembro de 1942, ao som de clarinadas, 14 mil canhões russos que estavam escondidos ao longo do Volga, abriram caminho para a contra-ofensiva de um milhão de soldados soviéticos, alguns deles montados em pôneis siberianos, seguidos por mil tanques e 1.350 aviões. Forças essas que cuidadosamente foram agrupadas na retaguarda soviética, sem que os alemãs percebessem a enormidade da operação que desabaria sobre suas tropas. Surpreendendo os flancos dos invasores, ocupados por regimentos romenos, italianos e húngaros, rompendo-os, eles fizeram um circulo de aço ao redor do 6º Exército, garroteando os alemães atolados dentro da cidade. Estimou-se que 290 mil homens tenham ficado dentro do Kessel, isto é, da caldeira, a área cercada pelos diversos exércitos soviéticos.
O marechal Göring, chefe da Luftwaffe, numa total irresponsabilidade, como que desconhecendo as dificuldades do inverno russo, confiara a Hitler que poderia abastecer pelo ar os sitiados com 500 toneladas de suprimento ao dia. Seus cargueiros mal conseguiu lançar 10% do volume prometido. Goebbels, o ministro da propaganda do IIIº Reich, para impressionar o público alemão, difundiu a lenda da Fortaleza de Stalingrado, local mítico onde os bravos soldados do nacional-socialismo lutariam até o último homem.
Oitenta e dois dias depois, a partir do dia 31 de janeiro de 1943, arrastando-se do fundo das covas e dos buracos, uma multidão de mais de cem mil espectros humanos, mendigos esfomeados e enregelados, o que restara do altivo 6º Exército, rendeu-se aos soviéticos. *
Paulus, a quem o Führer promovera à marechal-de-campo uns tempos antes, assinou a capitulação final em 2 de fevereiro de 1943. Anunciou-se ali o destino da Alemanha nazista. Ao ser comunicado do desastre, Hitler disse a Goebbels: “os deuses da guerra trocaram de lado!”.
Urano esmagara a Suástica.
* As estimativas sobre as perdas alemãs e seus aliados em Stalingrado são divergentes, mas não estão muito longe dos seguintes dados:
- Cercados: 195 mil alemães, 50 mil hiwis (tropas russas auxiliares) e 5 mil romenos, perfazendo uns 294 mil homens;
- Os prisioneiros de guerra capturados pelos soviéticos perfazem 111.463 homens, mais 8.928 feridos. (Fonte: Antony Beever – Stalingrado, o cerco fatal, pag. 497/8).